quarta-feira, janeiro 07, 2009

Soneto para Amanda - Minha filha

Ah, minha Amada! Amanda minha!
Que a todos nós irradia!
Você, tão pequenininha,
Enchendo-nos de vida e alegria.

Ah, minha Amanda! Amada minha!
São três seus curtos aninhos.
De cachos claros, trancinha...
Tantos dengos e carinhos.

Ainda lembro-me dos olhinhos
Saídos do ventre materno
Esperando a luz do dia.

E eu daqui, longe e pertinho,
Quando a vejo sempre enxergo
Nesse rosto uma poesia.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

A musicalidade na mulher - Arthur Dazzani

Sempre que a maioria dos homens relaciona música à mulher vem logo à tona a lembrança do popular violão. A analogia é feita em função da semelhança curvilínea entre os corpos: ambos divididos pela cintura, e cada qual com a sua sutileza.

Não me esquivo dos apontadores varões que defendem a cultura do corpo esbelto (e recheado de curvas) como estímulo masculino. Até confesso que, em última análise, é no mínimo um bom colírio. Mas ele em si mesmo tem tradução simplória e vida curta. O próprio Vinícius de Moraes, nosso eterno poeta (dentre tantos outros atributos), descreveu a sua “receita de mulher”, estabelecendo medidas que se enquadravam no seu modelo caricatural feminino. Mas seguramente Vinícius foi mais um apreciador da alma, do espírito e dos detalhes dessas criaturas enigmáticas do que um formulador de conceitos físicos.

A mulher precisa ser lembrada e cultuada pelo que há de musical na sua essência. Mais pelo que insinua do que pelo que expõe. Ela não pode ser explícita! A sua delicadeza é composta de semitons intercalados, com ritmos próprios e um compasso de espera. Além de notas de tons maiores e dissonantes (apenas na aparência), ela tanto pode ser lida em clave de Fá quanto de Sol. Mas jamais decifrada! Ela é (e deve permanecer sendo) um eterno enigma!

Comparar a mulher a um violão é pensar numa orquestra de um instrumento só. A mulher é muito mais ampla. Ora é violino, doce e fino, ora é um celo, forte e imponente. Metais e Cordas se misturam nessa indecifrável sinfonia. Muitas vezes ela passa despercebida, como o oboé ou o baixo, mas que são indispensáveis ao conjunto da obra. Noutras tantas ela é o piano de cauda, charmoso e elegante. Mas é preciso ter certeza, a absoluta certeza de que elas são invariavelmente o maestro. São as regentes dessa orquestra, que nos emprestam as batutas para que possamos desfrutar da harmonia que desfila pelos vossos sentidos e nossos corações.

Ultimamente tenho pensado na mulher como notas musicais. Afinal de contas, não adiantaria tantos instrumentos reunidos se não pudessem ser tocados. E que bom que elas nos permitem tocá-las. Mas precisamos saber fazê-lo com a devida cautela e cuidado, com o devido respeito e acuidade, com muita calma. E, sobretudo, com a alma (de mãos fortes e sutis).

Os músicos e os não leigos sabem que o acorde é composto por uma tríade. Nos últimos dias meus ouvidos ficaram mais sensíveis (o dono deles também), e passaram a escutar a beleza de três belas notas musicais, que juntas têm alegrado o meu espírito e preenchido os meus espaços. Um som limpo, que veio do nada, surgido no frescor da noite, e sussurrou baixinho: MI, RÉ, LÁ (aumentado)!

Ah! Que acorde lindo!

sexta-feira, setembro 07, 2007

Para Viver Um Grande Amor - Vinícius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso
É muita concentração e muito siso
Muita seriedade e pouco riso
Para viver um grande amor.

Para viver um grande amor,
Mister é ser um homem de uma só mulher
Pois ser de muitas - poxa! - é pra quem quer,
Nem tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro
É preciso sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
Seja lá como for.

Há que fazer do corpo uma morada
Onde clausure-se a mulher amada
E postar-se de fora com uma espada
Para viver um grande amor.

Para viver um grande amor direito
Não basta apenas ser um bom sujeito.
É preciso também ter muito peito:
Peito de remador.

É sempre necessário ter em vista
Um crédito de rosas no florista.
Muito mais, muito mais que na modista,
Para viver um grande amor.

Conta ponto saber fazer coisinhas,
Ovos mexidos, camarões, sopinhas,
Molhos, filés com fritas, comidinhas
Para depois do amor.

E o que há de melhor que ir pra cozinha
E preparar com amor uma galinha,
Com uma rica e gostosa farofinha,
Para o seu grande amor?

Para viver um grande amor, é muito,
Muito importante viver sempre junto.
E até ser, se possível, um só defunto
Pra não morrer de dor.

É preciso um cuidado permanente
Não só com o corpo, mas também com a mente.
Pois qualquer "baixo" seu a amada sente
E esfria um pouco o amor.

Há que ser bem cortês sem cortesia.
Doce e conciliador sem covardia.
Saber ganhar dinheiro com poesia.
Não ser um ganhador.

Mas tudo isso não adianta nada
Se nesta selva escura e desvairada
Não se souber achar a grande amada
Para viver um grande amor!

Ternura - Vinícius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos.
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo.
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas, nem a fascinação das promessas.
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um trasbordamento de carícias.
E só te pede que repouses quieta, muito quieta.
E deixe que as mãos cálidas da noite
Encontre sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Soneto de Marta - Vinícius de Moraes

Teu rosto amada minha é tão perfeito
Tem uma luz tão cálida e divina
Que é lindo vê-lo quando se ilumina
Como se um cílio ardesse no teu peito

E é tão leve teu corpo de menina
Assim denso quadris e busto estreito
Que desfila uma jovem dançarina
De pele branca e fina e de olhar direito

Deverias chamar-se claridade
Pelo modo espontâneo, franco e aberto
Com que encheste de cor meu mundo escuro

E se num olhar, nem vida nem idade,
Me deste de colher no tempo certo
Os frutos verdes deste amor maduro

Autor Desconhecido - Texto Exato

Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre...
Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou SEGUIR MEU CORAÇÃO!
Não me façam ser o que não sou;
Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão...
Sou sempre eu mesmo, mas com certeza não serei o mesmo pra SEMPRE!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes ...
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
UHUUUUUUU, EU ADORO VOAR!

Por onde andam os verdadeiros? - Autor Desconhecido

"Sobre mim tenho encontrado muitas pessoas, porém não encontro gente....
Há um vazio dentro de cada um,
Um processo de fechamento em sentimentos.
Encontro sorrisos, porém daqueles que expõem apenas os dentes.

Encontro verdadeiras tocaias, e não corações.
Reservas insistentes da solidão.

Tenho encontrado pessoas medrosas, indecisas, escondendo-se de si mesmas.
Pessoas que dizem: Não sei...
Não sei se quero..., Não sei se posso...
Quando sabem exatamente o que querem e o que buscam, e não se arriscam ao menor impulso.
Pessoas duras, escuras, impossibilitadas de amar.
Estas, cansei de encontrar...

Busco por gente que empreste o ombro, que não tenha medo de dizer que levou um tombo.
Busco por gente que assuma que amar traz sofrer,
E, com esta certeza, não venham a se esconder."

Palavras ao Vento - Tuca Dazzani

A vida é Mágica.
Todos somos mágicos, magos, integrados.
Mas o olho que vê não é o mesmo que é visto: visível, azul, verde, castanho, preto, multicolor.
Poucos vêem o óbvio. E os dois olhos visíveis não podem enxergar o óbvio.
Somos cegos, a olhar imagens e formas.
A verdade não tem forma.
O carinho não tem forma.
O amor não tem forma.
A saudade não tem forma.
A sinceridade não tem forma.
O sentimento não tem forma.
E a vida é feita de quê?
O que tem forma é “disforme”.

São tantos olhos a nos ver.
São poucos a nos sentir.
A vida é néctar a extasiar à todo momento.
O momento vivido é único, e ainda mais porque efêmero.
O antes e o depois importam pouco quando se vive.
Principalmente quando de forma intensa.
O Intenso não simboliza o louco. Mas é a antítese do pouco, mesmo sem ser muito.
O amor é um adorno espiritual que enfeita o coração.

Água e o óleo se misturam. A química é física.
O óleo e a água são quânticos, são tântricos, são místicos.
Estão muito além do academicismo químico.
Possuem outras químicas. São simbólicos, espíritas.
E é certo: se misturam!

Quantos estão a se lamentar pelo que não pôde ser feito?
Quantos não deixaram pegadas na areia? Pegadas feitas pelos próprios pés!
São tantos os que criam pegadas com as mãos. Incrivelmente com as mãos.
Não criam, simulam.

Do que adianta adiantar o tempo?
Adiante pode não ser mais o antes.
Falta quanto? Que dia é hoje? “O que será o amanhã”?
Quanto custa? Será que custa?

E eu aqui, a dedilhar o teclado não sonoro.
Apenas o som seco do toque da escrita.
A pensar como enquadrar as idéias tantas num só tempo e instante.
Penso que sou vário e único. E deletério do pretérito. E tão precário!
Queria muito que isso fosse um poema. Mas não é. Que pena!
Mas será que deveria sê-lo? Aí seria selo! Que assim não seja.

Mas são palavras que vêem e vão ao despertar da mente, que não me mente nunca.
Sou viúvo, refém e órfão ao mesmo tempo.
Viúvo de alguns passados, mas não do passado.
Refém do tempo presente.
Órfão do tempo futuro.
Um andarilho.
Um buscador de tudo e de mim mesmo.

Caminhemos ao sabor do vento, mas na direção certa.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Poeminha no avião - Arthur Dazzani

Num canto, feliz, repousa a filha inocente
No colo do pai, um tanto sonolento.
E em seus sonhos profundos quer sempre um pai
[atento.
Que lhe acarinhe e afague
E lhe seja alerta, paterno, presente.
.
Numa poltrona, atrás, adormece sua amada,
Com outra filha, febril, indiferente à tudo.
E o avião vai pousando... Lentamente,
[Após longa jornada.
E eu os observo, contente, pensando nos meus...
E permaneço mudo. E mudo!



(De São Paulo para Salvador, 27/07/2006)

Metades de Mim - Arthur Dazzani

Na metade que me permito
Doar meu lado normal...
Procuro ser imortal,
Fraternal e irrestrito.
.
Na metade que me permito
Contemplar o meu avesso...
Sou côncavo, convexo,
Carinho, afeto e instinto.
.
Na metade que me permito
Entregar de vez o carnal...
Sou natal, sou carnaval,
Sou sussurro, silêncio e grito.
.
Na metade que me permito
Ser paixão, loucura e alma...
Sou ator, preciso palma,
Quero permitir-me inteiro,
Ser junho, dezembro, fevereiro,
Passional, total e infinito.

Carta aos Puros - Vinícius de Moraes

Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.
.
Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne o estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem o lenço.
.
O vós, homens iluminados a néon
Seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que vos bem amais e vos julgais perfeitos
E vos ciliciais à idéia do que é bom.
.
O vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.
.
Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.
.
Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito
E erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem saber que a esperança é um simples dom da vida
E tanto mais porque é um dom público e gratuito.
.
Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.
.
Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.
.
Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.
.
Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.
.
Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E achais que o bem do alheio é a melhor iguaria.
.
Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimangos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.

O esquecido Zé Mané - Arthur Dazzani

Esquecia-se dele mesmo. Na verdade, nunca soube quem era. Então, como podia esquecer-se dele mesmo? Mas o fato é que esquecia. Sua essência era uma vaga lembrança, mas a única coisa que podia vender como verdadeira, como preciosidade. E ele não o fazia.
Ah, mas essa tal de essência foi sendo sobreposta pelas inúmeras tentativas (e a maioria com sucesso) de formação e consolidação de outra imagem sua. Aliás, de outra pessoa, mas com a mesma feição. E entre uma tentativa e outra, uns repiques de alegria, e umas pitadas de felicidades proporcionadas pos esses momentos impostos ou auto-impostos, a essência foi sendo esquecida. Em vez de emoldurá-la e pregá-la na parede da sala principal, para valorar a si mesmo e lembrar-se do que realmente era, ele guardava-a no sótão ou escondia-a em caixas de papelão no fundo da garagem. E ia deixando que as traças do imaginário e o tempo se encarregassem de aquietar e adestrar aquela essência encantadora, legítima, impulsionadora, desafiadora e garantidora de prováveis sucessos.
É que no fundo a imensa maioria vive de momentos de frugalidades e futilidades. Freqüentemente veste carapuças, se fantasia de Super-Homem ou Mulher Maravilha, com capas do Battman e da Mulher-Gato, quando na verdade muitos não passam de homens invisíveis.
Mas o nosso personagem já tentara de tudo: fora vendedor competente, diretor engravatado, acadêmico assoberbado. Enfim, seguiu todas as receitas que os homens de bem lhe ensinaram ao longo da vida, e que certamente seriam infalíveis para colocá-lo em destaque na sociedade, e para que fosse visto com respeito e seriedade. Não havia dúvidas que todos aqueles personagens impostos ou sugeridos trariam o sossego e o conforto financeiro que todo ser humano merece.
E não é que Zé Mané era obediente?! Seguia à risca tudo que papai e mamãe diziam, tudo que titio e titia ensinavam e as etiquetas e regras de conduta que os bem vividos exigiam. Vez por outra dava uma olhadela, de relance, na caixa que guardava sua essência. Pensava até em dar uma lustrada nela, um brilho especial, uma recauchutada ou uma boa encerada. Mas nunca ousou em sair por aí exibindo sua preciosidade. Era certo que tratariam com desdém, fariam cara de repúdio.
Então era melhor o bom e velho costume confortável, do que ter um imenso trabalho de ter que vender e convencer que era a sua essência que lhe garantiria sua sobrevivência. Não a financeira, mas a da alma, do espírito. A que alimentaria sua coragem, sua motivação e lhe daria força para por em prática tudo que nela continha, mesmo que tudo parecesse incerto e arriscado aos olhos de muitos, mas que com certeza haveria de encontrar adeptos, financiadores e compradores para continuar com sua busca incessante e energizante de preenchimento dos seus espaços vazios.
Um dia Zé Mané criou coragem. Muitos parentes e amigos antigos já haviam morrido, não havia mais pais e avós, os círculos de amizade forma renovados, a barba feita e os poucos cabelos brancos já haviam aparecido e seus medos foram se diluindo.
Uma quebrada de cara ali, uma derrapada acolá, algo fez com que Zé Mané fosse lá, no sótão, sorrateiramente, sem ninguém saber, e contemplasse sua essência. Nunca precisou buscá-la, pois ela sempre esteve no mesmo lugar, à sua espera, sabendo que mais cedo ou mais tarde ele haveria de voltar para resgatá-la, como fazem os corajosos, os destemidos, os felizes, os artífices e construtores da sua própria vida, como ela efetivamente deve ser vivida. E os sonhos antigos, guardados e derivados da sua essência, tomaram forma, foram criando vida, andaram descalços, se lapidaram, se fizeram valer. Claro que algum tempo foi perdido, que muitas oportunidades jamais tornarão a existir, muitos amigos já se foram e se privaram do deleite de ver Zé Mané feliz, e muita coisa não pôde mais ser feita.
Mas o tempo e a felicidade não se contam pelas horas passadas, pelos anos corridos, mas pelos momentos aproveitados, pelos sonhos vividos, pelos amigos criados, pelo sorriso e alegria dos filhos, pelo doce olhar da amante, pelas esperanças realizadas e pelo que há por vir.
E foi assim, lutando contra tantos e contra ele mesmo, que José Manoel conseguiu transformar um apelido em nome próprio.

Breve... A neve - Arthur Dazzani

Num mar de gente buscando se achar,
Entre corpos e copos cintilando,
Por almas perdidas se embalando
Nadei de mansinho até te encontrar.
.
Pele doce, meiga, saborosa e fina.
Gestos suaves, moleca, de alegre menina.
De toque macio... E às vezes felina.
Pegou-me de jeito, seu jeito de olhar.
.
Meu corpo saiu, meu desejo ficou.
Fui a outro lugar, me ouvir, te escutar.
Só pensava em você, em cantigas de amor.
Conduzindo nós dois... Voltei pra ficar.
.
E entre olhares sabidos, vinhos, cupidos...
Nossos corpos achados, sussurros no ouvido,
Bocas e lábios, queixos caídos...
Pude enfim, no calor dos gemidos,
Num cantinho, encolhido...
Em você navegar.
.
E a química da alma
Pede que o passado seja eterno.
Mas ainda que fora breve
O que foi ontem já não serve.
.
E o que quero agora, mesmo,
É por minha roupa de frio,
Esquecer o que ficou no vazio
E ir me esquentar nas montanhas de neve.

Deuteronômio - Ronaldo Cunha Lima (Belíssimo)

...E pela lei ficou dito
Que um deve amar o outro
Sem ter noção de distância
De tempo sem ter noção.
Um amor sem preconceito,
Amado de qualquer jeito
Sem dar bolas à razão.
.
Amor doido, inconseqüente.
Sem passado... Só presente...
Pro hoje se eternizar.
.
Futuro? Não interessa!
Amar muito sem ter pressa
Pro futuro Demorar.
.
Fica afinal decretado,
Por esse artigo final,
Que um vai amar o outro
De forma irracional.
.
Só não pode ser normal!
Tem que ser bem diferente:
Ora bicho, ora gente,
Seja de que modo for!
.
Um amor sem muito nexo...
Ora alma, ora sexo,
Ora sexo e ora amor.

Vida Fácil - Arthur Dazzani

Eu faço que digo,
Não digo o que faço.
Falo fácil pra parecer difícil,
Tenho vício de mágico
Apesar de palhaço.
.
Desrespeitos fanáticos,
Respeito os caóticos.
Sou solarmente lunático,
Distante, presente e prático.
.
Misturo bons defeitos
Com demagógicas virtudes.
Vivo em busca do perfeito
Na imperfeição das atitudes.
.
E desatando poucos nós
Vou criando muitos laços,
Tirando velhos sapatos,
Caminhando em pés descalços,
Desligando alguns fios ligados,
Ligando outros correlatos.
.
E sigo me achando chato...
Pois querendo quebrar barreira
Não aceito o anonimato.
Aprendi que o impossível
É mentira, é passível, é asneira.
Que em tudo há amor inato.
Que é tudo o maior barato,
E que a vida... É uma brincadeira!

Mude - Edson Marques (e Clarice Lispector)

MUDE
...
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
.Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
.Durma no outro lado da cama...
Depois, procure dormir em outras camas.
.
Assista a outros programas de TV,
compre outros jornais...
leia outros livros,
viva outros romances.
.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos,
novas cores,
novas delícias.
.
Tente o novo todo dia.
O novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor,
a nova vida.
.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida,
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
.Escolha outro mercado...
Outra marca de sabonete,
outro creme dental...
Tome banho em novos horários.
.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.
.
Jogue fora os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre...
invente-as.
Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!

"Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco,
sem o qual a vida não vale a pena"
.
.
Obs. Apenas essa última estrofe, entre parênteses,
é de autoria de Clarice Lispector.

Dilemas confusos - Arthur Dazzani

Ela diz que nega o não,
Que nunca entra em desuso.
Busca confundir o confuso
Com um escudo no coração.
.
Tem jeito de fera felina,
Caminhar bem plantado,
Doce olhar de menina.
Diz que se deixa levar pela vida.
Mentira! É ela quem determina!
.
A lágrima que não quer cair
Derrete-se inteira por dentro
Quando um sorriso, um gesto, um olhar,
Revira ao avesso seu mundo,
Retira o sentimento do fundo,
Trás à tona o medo de amar.
.
A dor que se recusa a sentir
Pra não sofrer, pra não chorar, pra não cair,
Esconde um segredo guardado
Dos desejos futuros, do temor do passado...
.
Da ferida escondida,
Da mulher achada,
Da criança perdida.
.
Um enigma solto no ar...
Falando no meu ouvido,
Tendo como porta-voz um cupido...
Pedindo pr’eu desvendar.

Todo Risco - Damário Da Cruz



A possibilidade
de arriscar
é que nos faz homens.

Vôo perfeito
no espaço
que criamos.

Ninguém decide
sobre os passos
que evitamos.

Certeza
de que não somos pássaros,
e que voamos.

Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.

Encantos e desencantos - Arthur Dazzani

E como por encanto...
O sol se pôs mais cedo,
Deitou nos braços da lua,
Expôs sua alma nua,
Desvendou mais um segredo.
.
E como por encanto...
A chuva virou vento,
Transformou a brisa em brasa,
Passarinho bateu asa,
Não há por que ter mais medo.
.
Mas ainda, por enquanto...
Por mais amante que queira
Não é hora de embalar meu canto.
Que por ora se derrama em pranto.
Pois não vale amar por partes
Se posso te amar inteira.

O verbo no infinito - Vinícius de Moraes

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer.
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
.
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir.
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
.
E crescer, e saber, e ser, e haver.
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito.
.
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Esconderia seu mundo
Pelos segredos dos olhos.
Mergulharia no raso
Não fosse profunda a alma.
.
A timidez nos mostra a calma.
A verdade se lança no palco.
E nele se transforma em louca.
E dele sempre espera a palma.
.
Pés firmes na pela branca,
Pálpebras tristes, olhar de esperança,
Às vezes felina, noutras criança,
Ora se lança, ora se tranca.
.
Se fosse planta seria raiz.
Cresceria robusta, talvez flor de lis.
Misturaria as espécies,
Floresceria silvestre,
Trocaria a sina de arbusto
Pra ser o que sempre quis.
.
Amante de pura leveza
De costas, frente, perfil.
Se desnuda da dúvida,
Transforma-se em beleza,
Pra queimar no amor,
E causar calafrio.
.
E nessa incerteza difusa
Entre o que quer e o que usa...
Prefere a dualidade
Entre o possível e o provável.
.
E se lambuza de atriz
Pra mostrar suas metades
Das paixões, da verdade,
Pra que eu possa, pra sempre,
Poder vê-la feliz.

Reticências - Ronaldo Cunha Lima

Em nosso amor, certa vez,
Um erro de português
Me levou à repetência.
.
O meu erro foi fatal!
Em vez de ponto final...
Eu coloquei reticências...

Elegia a Tio Roberto - Arthur Dazzani

Aprendi a gostar das poesias
Desde as mais matutas até as elegias.
Foi um Tio amante, com alma de poeta,
Quem me iniciou no vício
Sem traçar-me metas.
---
E agora? Estou mais leve, de peito aberto,
Num caminho sem volta, preenchido e deserto.
E quando penso em estrofes, rimas e versos,
Mergulho num mar sem fim, volátil e submerso...
E penso, e agradeço...
Que Tio bom! Meu Tio, Roberto!

Casulo - Arthur Dazzani

Personagem inexistente,
Coração pulsante,
Riso inconseqüente,
Racional e delirante.
.
Anatomicamente farsante,
Jeito de leoa, passo galopante.
Às vezes é talvez
Ou o talvez disfarsante.
.
Mostra-se enigma, mas é charada.
É riso no choro, é choro na risada.
É barco no seco, é seca e molhada.
É um caminho curto e uma longa jornada.
.
Quer saber de verdade?
No fundo é casulo.
É flor de jardim.
Pensei em tulipa...
Aliás, violeta.

Não se conforma com a forma.
Pede pouco do mundo:
Quer dormir um lagarto
E acordar Borboleta.

A arte de ser bom - Mário Quintana

Sê bom.
Mas ao coração
Prudência e cautela ajunta.
Quem todo de mel se unta,
Os ursos o lamberão.

Parece até que foi ontem - Arthur Dazzani

Parece até que foi ontem...
Minha boca emudeceu
Meu coração palpitou
Nos braços da noite, no breu,
Por mais que perguntasse quem eu era...
Nunca soube ao certo quem sou.
-
Parece até que foi ontem...
O espinho virou flor
A emoção resplandeceu
E ante ao medo do caminho
Devagar, saí do ninho...
Passarinho se apaixonou.
-
Parece até que foi ontem...
A chama do amor se acendeu
A luz da razão se apagou
Encontrei você na noite
Não mais havia o açoite
Nem alma coberta de dor.
-
Mas o ontem agora é hoje
E já suspeito quem sou...
Um bicho sem rabo preso
Livre, solto e indefeso,
Pois foi só dar pistas de mim
Que você veio e me achou.

O acarajé no caos - Waltinho Queiroz

Estamos nos transformando numa cidade sem alma.
Assassinando as Pitangas que recendiam viçosas em cada natal baiano!
Estamos nos transformando numa cidade sem calma!
Meu Deus, aonde, aos domingos, os céus cobertos de arraias de Itapuã ao Bonfim?
E eis que dirão: “e o progresso onde fica, ó saudosista”?
Melhor que fosse traçado pela paixão e a alegria
Da capoeira de Antônio, do Vatapá de Maria!
E ai de quem se atrevesse a sujar o mar sagrado!
E ai de quem se ousasse a ferir uma jaqueira!
Crianças todas na escola...
Merenda, ciência e bola,
Realizando a utopia do Mestre Anísio Teixeira.
E quando da cor de rosa, a tarde em seu esplendor,
Anuncia aos meus olhos seu pôr-do-sol, Salvador...
Meu coração se enternece: a lua, o forte, o farol!
.
E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

.
Vivemos nos iludindo: cachaça e maledicência!
Enquanto isso os Senhores da Casa Grande conspiram
Contra os últimos terreiros de São Pedro e São João.
E nem o Mágico Christoff, aquele velho sonhador,
Nem Batatinha cantando podem aplacar o temor
Do cinturão de miséria que cerca São Salvador.
No Porto da Barra o cheiro do mijo que se entranhou
Nos pejorar africanos enche a África de dor.
O trauma desses mestiços, que se envergonham da cor,
Macaqueiam sem pejo o simulacro e a mentira...
Seja do Sul Maravilha ou outro esperto “Senhor”.
Magnífica é o teu porte, oh Mangueira da Vitória!
Testemunha da história vai morrendo devagar.
E quando eu busco à tardinha minha porção de dendê,Um náufrago desses tempos, buscando sobreviver,
Meu coração se apazigua: Itaparica láááá longe!
.
E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

.
Computadores não são inimigos dos meus sonhos!
Nem tombaremos tristonhos na porta de outro milênio.
Apenas choro, magoado, na cruz dessa indiferença:
O Abaeté se acabando e o povo perdendo a crença!
Quede “laranja de umbigo”? Cadê “acaçá de milho”?
Como consolar meus Velhos? E o quê dizer aos meus filhos?
Essa terra já foi farta, essa cidade foi linda:
O preto de terno branco, o Mugunzá de Benvinda!
Agora ninguém mais desponga desse bonde!
Motorneiro, quando Humberto foi pros céus... ficamos nos “Fevereiros”!
A poesia é loucura, é a arte dos delirantes...Castro Alves, Baraúna, em todos os auto-falantes!
E quando eu, de joelhos, me volto para o Bonfim,
Escuto meu Pai me dizendo: “siga o caminho... é assim”!
.
E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

O milagre - Mário Quintana

Dias maravilhosos
em que os jornais vêm cheios de poesia.
E do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto.
Dias mágicos
em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios,
a graça gratuita das nuvens.

Poeminha do contra - Mário Quintana

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu... Passarinho!

Trecho - Vinícius de Moraes

Quem foi, perguntou o Celo,
Que me desobedeceu?
Quem foi que entrou no meu reino
E em meu ouro remexeu?
Quem foi que pulou meu muro
E minhas rosas colheu?
Quem foi, perguntou o Celo
E a Flauta falou: Fui eu.
-
Mas quem foi, a Flauta disse,
Que no meu quarto surgiu?
Quem foi que me deu um beijo
E em minha cama dormiu?
Quem foi que me fez perdida
E que me desiludiu?
Quem foi, perguntou a Flauta
E o velho Celo sorriu.

Um história inacabada - Arthur Dazzani

Tão clara como a luz que brilha
Tão intensa como a chama acesa
Tão segura ao seguir sua trilha
Envolta em nuvens de delicadeza.
.
Surgiu do nada, acalentou meu pranto.
Desnudou inteira minha incerteza.
Resgatou meus sonhos, quis ouvir meu canto.
Foi de toda encanto, e suave leveza.
.
Despertou desejos, até os incontidos.
Foi um mar de amor, apesar do perigo.
Pude ouvir sussurros, e os tantos gemidos.
Fez-me amante distante, mais que um simples amigo.
.
Invadiu minhas noites, revirou-a ao avesso.
Fez do amargo o doce, guardado em segredo.
E os orgasmos múltiplos, que andavam presos.
Jorraram da alma, sem culpa e sem medo.
.
Uma paixão não falada
De uma mulher decidida
Que quanto mais eu achava
Mais parecia perdida.
.
E quando pude entregar
Um pedaço a mais de mim...
Tive medo do não.
.
E já que o amor um dia tem fim
Fui fugindo dela e de mim
Escondendo-me da emoção.
.
E assim foi passando o tempo...
Deixando-me só e ao relento
Criando sua própria estrada.
.
Mas sei que há de haver o dia
Que trará de novo o cupido
Pra dar de volta um sentido
A uma história inacabada.

Pensamentos 2 - Mário Quintana


Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

domingo, julho 30, 2006

Poemas vários - Silvia Machado (minha mãe)

Aqui faço uma homenagem à minha mãe.
Essa verve e esse desejo de colocar no papel, no violão ou na ponta da língua o que se quer dizer é embrionária. Ainda que eu tenha sido agraciado por meu tio Roberto, seu irmão, com o estímulo e pelo gosto da leitura e das poesias, vejo que essa vontade louca foi parida junto comigo.Eis alguns poemas seus, Silvia Machado, que considero de extrema leveza e de rara beleza. Alguns deles eu gostaria de ter escrito:
.
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Auto Recomposição
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"Não me despedace
Que eu me recomponho.
Junto os meus retalhos,
Dou forma e verdade...
Ao que ontem era um sonho."
(Silvia Machado)
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Desabrochar

"Saio da casca do ovo
E quero correr ligeiro,
Para mostrar que ainda há tempo...
E que tenho um novo tempero."
(Silvia Machado)
.
Vã Preparação

Eu me preparei pra você...
Escolhi o meu vestido,
Tomei um banho gostoso,
Com água de lá da bica
E capim do mais cheiroso.

Eu me preparei pra você...
Cabelo em outro sentido,
Joguei o lenço pro lado,
A lua abriu meu caminho,
Sentei ao pé do riacho.

Conversei com os vaga-lumes,
Falei sobre o meu queixume,
Inventei um rouxinol.
Pra dividir a cantiga
E ficar assim... Perdida,
Até o nascer do sol.
(Silvia Machado)

sábado, julho 29, 2006

Pensamentos soltos - Mário Quintana

A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.

O segredo é não correr atrás das borboletas...
É cuidar do jardim para que elas venham até você.

Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove
Não poderão ir para o Céu!
Lá faz sempre bom tempo...

Quem não compreende um olhar
Tampouco compreenderá uma longa explicação.


Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.

O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores.

Cada pessoa pensa como pode...

Pensamentos - Mário Quintana


Sentir primeiro... Pensar depois.
Perdoar primeiro... Julgar depois.

Amar primeiro... Educar depois.
Esquecer primeiro... Aprender depois.

Libertar primeiro... Ensinar depois.
Alimentar primeiro... Cantar depois.

Possuir primeiro... Contemplar depois.
Agir primeiro... Julgar depois.

Navegar primeiro... Aportar depois.
Viver primeiro... Morrer depois .

Desilusões - Arthur Dazzani

Esperei a calma, a muda em flor.
Quis a voz doce, tão diferente.
Pensei no novo, no inconseqüente.
Mas veio a dúvida, agonia e dor...
.
Desejei um mimo, meu passarinho.
Pra bater asas sem sobressalto.
Andar nas nuvens, voar mais alto.
Sonhei com arrimo, não com espinho.
.
Não à mentira, só há saudades.
Se há sentimento, não tem vaidade.
Só ardo inteiro, não dou metade.
As palavras calam... Sobram verdades.
.
E o coração, cheio de mágoa,
Com as incertezas, tão dividido...
Foi acarinhado... Nunca iludido.
.
E é só querer que limpa fácil...
Basta por ternura, ser meiga e dócil,
Se encher de amor, paixão e alma.

Fortaleza Interior - Ronaldo Cunha Lima

Cansado de sofrer do mal de amor
Resolvi proteger meu coração.
E comecei a grande construção
Da minha fortaleza interior.
.
Fiz vigas de concreto contra a dor,
Revesti as paredes de razão.
Janelas, portas, piso, elevador...
Tudo impermeável à emoção.
.
Como não tem no mundo quem não falhe,
Esqueci, entretanto, de um detalhe,
E o meu trabalho não ficou completo.
.
Meu coração, enfim adormecido,
Acordou de repente com um ruído...
Era a saudade entrando pelo teto!


O que eu não tenho - Arthur Dazzani

Não tenho dedos pra escrever o que quero
Mas tenho calma de aguardar o que espero.
.
Não tenho boca pra ir beber na fonte
Mas tenho amor para dar aos montes.
.
Não tenho mãos para acariciar-lhe a face
Mas tenho o sentimento do escritor que nasce.
.
Não tenho palavras para adeuses findos
Mas dispo a alma para os poemas lindos.
.
Não tenho a ruga dos que envelhecem
Mas guardo sonhos... E não adormecem.
.
Não tenho tempo para ajustar antenas
Mas tenho a ânsia de escrever poemas.
.
Não tenho ouvidos para vozes roucas
Mas tenho ouvido as que me são poucas.
.
Não quero o choro de um amor que cessa.
Só quero um amor... E não tenho pressa.

Poema enjoadinho - Vinícius de Moraes


Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos...
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos.
.
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

Soneto da Separação - Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma.
E das bocas unidas fez-se a espuma.
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama.
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
.
De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
.
Fez-se do amigo próximo o distante.
Fez-se da vida uma aventura errante.
De repente, não mais que de repente.

Soneto do Corifeu - Vinícius de Moraes

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento,
E que a vida não quer, de tão perfeita.
.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

Amigos Cachorros - Vinícius de Moraes


Vinícius de Moraes disse um dia:

"Eu poderia suportar, embora não sem dor,
Que tivessem morrido todos os meus amores.
Mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos.
A alguns deles não os procuro.
Basta saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida...
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro,
Embora não declare e não os procure sempre..."

Caminhos - Carlos Castañeda


Qualquer caminho é apenas um caminho.
E não constitui insulto algum - para si mesmo ou para os outros -
abandoná-lo quando assim ordena o seu coração.
(...) Olhe cada caminho com cuidado e atenção.
Tente-o tantas vezes quantas julgar necessário...
E faça a si mesmo, e apenas a si mesmo, a pergunta:
Possui esse caminho um coração?
Em caso afirmativo, o caminho é bom.
Caso contrário esse caminho não possui importância alguma.

Precisa-se de um amigo - Vinícius de Moraes

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimento, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto dos ventos e das canções da brisa.
---
Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
---
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja de todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
---
Tem que ter ressonâncias humanas. Seu principal objetivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
---
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância.
---
Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
---
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver.
Não porque a vida é bela.
Mas porque já se tem um amigo.
---
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar.
Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas.
Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando,
mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência
de que ainda se vive.

Milho de Pipoca - Autor Desconhecido

A transformação do milho duro em pipoca macia é o símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que venham a ser o que realmente deveriam ser. O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho de pipoca é parecido conosco: duros, quebra-dentes, difíceis de digerir.

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca eternamente. Assim acontece conosco. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito que há.

Mas, de repente, vem o fogo... O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos e não estamos preparados: a dor, por exemplo. Pode ser o fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre. Pode ser o fogo de dentro: ter pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimentos cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo. Sem o fogo, o sofrimento diminui, e com isso diminui também a possibilidade da grande transformação.
---
Fico imaginando a pobre pipoca, fechada dentro da panela... Lá dentro a coisa vai ficando cada vez mais quente, e ela pensa, em algum momento, que sua hora chegou... Vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo do que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: BUMMM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado.

“Piruá” é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas de ser e agir. As suas presunções e a falta de coragem representam a dura casca que não estoura. O destino delas é triste: ficarão inquebráveis e duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém, nem para elas mesmas.

Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela sobram apenas os “piruás”, que não servem para nada. Seu destino é o esquecimento, o conformismo e a eterna rotina.

Carta a um amigo ferido - Arthur Dazzani

Faz tempo que não escrevo nada sobre o amor entre mim e esse meu amigo. É verdade que o tempo não tem andado a meu favor, mas isso não é desculpa. O fato é que, como esse meu amigo me ensinou, temos que olhar para dentro de nós mesmos e aceitar nossos erros e defeitos, ditos também pelos amigos sinceros, presentes, participativos, democráticos, críticos, sensíveis, sensatos, mas que sempre nos criticam para nos engrandecer, nos fazer melhor, nos tornarmos mais realistas.
Com ele, aprendi que a vida nem sempre é como a gente gostaria que ela fosse, mas do jeito que ela se apresenta pra nós. E a partir daí devemos passar a conviver melhor com ela, com o trabalho, com as companheiras, com os filhos, com os amigos, buscando conexões positivas e um sentido para pra si mesmo e para as coisas que momentaneamente temos. Mas nem por isso devemos deixar pra trás nossos sonhos. Devemos viver e transformar esses momentos em oportunidades. E realizá-los quando possível, como faz agora a sua amada filha.
Esse amigo me ensinou a verdadeira essência da amizade, que deve conter o amor e a verdade, mesmo que quanto dita possa doer bastante por dentro. Mas afinal, um amigo jamais há de querer mal ao outro e nunca criticaria para desmerecer, mas sim para trazer-lhe para a realidade e poder fazê-lo ver-se melhor e ver o que todos, menos ele, têm enxergado. Isso agrega e alimenta a amizade. Mas nem todos estão preparados para ter amigos assim, verdadeiros, sinceros. É sempre mais fácil buscar companhias que sempre lhe elogiem e que vivam te admirando. Com esse meu amigo (um presente que raramente se ganha e que raramente se encontra) pude refletir e exercitar a mudança, ainda que muitos erros possam permanecer, e que eu continue tentando. Mas ele me ensinou muito e continua a me ensinar, nas nossas longas conversas.
Esse grande amigo é o pai que todo filho gostaria de ter. Também como esposo. Doa-se para sua família, e procura viver intensamente os momentos importantes deles e para eles, e se põe ao lado antes mesmo que eles pensem em pedir-lhe auxílio. Procura, além de pai enérgico e cobrador (como assim deve ser), ser amigo de toda a sua cria, participar das suas vidas, andar de mãos dadas sempre que pode, mostrar com orgulho todos os feitos que eles alcançam: seja passar no vestibular, na OAB, ver sua filha se formar em turismo ou se orgulhar pelo simples fato de que seu filho menor conseguiu tirar a carteira de motorista. Enfim, tem orgulho de todos eles, com todo amor que um pai pode ter, mostrando a todas as pessoas à sua volta, como um troféu, qualquer pequena ou grande vitória que eles possam alcançar, elevando-os ao mais alto posto.
Falar no seu papel protetor da sua família de origem, suas irmãs, suas tias, tios, sua mãe e seus amigos antigos é redundância. Além de se preocupar, mostra-se presente em qualquer momento que possa significar risco para eles, participa ativamente de todos os seus problemas, procurando estar ao lado de todos sempre que precisam.
É uma pena que o seu pai não esteja mais vivo pra ter orgulho dele, montar quebra-cabeças juntos e poder ver os netos, crescendo e sendo donos das suas próprias vidas, sob o olhar angustiado do filho querido. Certamente meu grande amigo daria tudo que tem para tê-lo de volta, e mostrar com orgulho e jeito italiano toda a sua prole, as conquistas suas e as dela, a criação que deu a eles (e que os fez crescerem), sua carreira de sucesso, seu diploma. Enfim, tudo que nunca pôde ter e que sempre procurou dar aos filhos, mesmo que para isso tivesse que se privar de tantas coisas, como o fez inúmeras vezes.
Não há dúvidas que o velho Apolo Binda estaria orgulhoso e ao seu lado, dando-lhe conselhos, alisando-lhe a face com suas mãos enormes, apontando caminhos, servindo de ombro amigo para o choro incontido, interno, que meu amigo muitas vezes tem. Certamente lhe daria forças para encarar as mudanças que estão por vir como mais uma fase da vida, e diria que a própria vida deve seguir seu rumo natural, e que ele deve se alegrar com as mudanças, porque elas proporcionarão novas emoções e outras perspectivas futuras.
Infelizmente o tempo não volta mais. Suas intensas brincadeiras com os filhos pequenos já não podem mais se dar, mas certamente virão os netos e, com eles, a alegria e o jeito criança que todo avô dedicado e amoroso, como ele, há de ter. Infelizmente (ou felizmente) os filhos crescem e ganham vida própria, deixando um vazio dificílimo de ser preenchido, mesmo pelos amigos mais próximos. Quando menos esperava, eles escaparam pelas suas mãos, arranjaram namoradas, namorados, foram à luta, definiram objetivos próprios, foram aos poucos se afastando, naturalmente, de forma silenciosa, mas sem perder a ternura e o amor incondicional que sentem pelo meu amigo. Pelo que ele foi pros filhos, e pelo que ele há de ser, os laços e o amor entre eles só aumentarão.
Mas as longas conversas, as idas ao cinema, as reuniões tradicionalíssimas entre seu clã, os almoços e jantares onde todos estão presentes ao estilo italiano, também vão se tornando escassos. É que os filhos são assim mesmo, e vão se deixando levar pelas oportunidades. Mas certamente e de forma merecedora, seus filhos têm o dever de ser para esse meu amigo, pai, o que ele sempre foi para a sua mãe, Dona Maria, presente, preocupado, amigo, defensor e protetor eterno. É o mínimo que meu amigo merece. Não pela troca do já fez pelos filhos, mas pelo que ele ainda é, pelo caráter que tem e pelo que continua fazendo pensando neles. É porque, mais do nunca, ele precisa que os filhos olhem para ele como ele sempre os olhou.
No dia 03 de julho sua filha querida deixará mais uma vez o lar dos Binda para sair em busca do seu sonho. É o desejo dela, e assim deve ser respeitado. Ela conquistou isso de forma madura, silenciosa, decidida. Sabe o que quer e deve buscar o que deseja. E essa maturidade e firmeza de caráter, determinação, lucidez, foi mais uma contribuição do meu amigo e também da sua esposa, ajudando-a e incentivando-a a correr atrás das oportunidades que surgiam, ainda que a saudade venha a ser imensa.
Sei que mais uma vez meu amigo está orgulhoso da filha, mas dessa vez mais triste, mais introspectivo. Afinal de contas, a proximidade da aposentadoria, as saídas menos freqüentes com seu caçula, e as asas da liberdade que seu filho homem mais velho ganhou, proporcionando-lhe menos momentos de conversas confidentes, deixaram um espaço difícil de enfrentar e de ser preenchido. Ele há que ser forte e ter altivez, como teve seu pai, como meu próprio amigo sempre me disse.
Todo esse conjunto de coisas acontecendo ao mesmo tempo interfere no curso da vida de qualquer um, ainda mais na de um pai apaixonado pela filha. Apesar de parecer a mais distante, ela sempre foi o termômetro da casa. Sempre se mostrou mais madura e ponderada, e vai deixar uma saudade quase tão grande quanto a que meu amigo sente pelo seu pai. E aí o coração se mostra fraco, o homem se mostra indefeso, órfão, a ebulição das emoções faz com que seja necessário recorrer aos médicos e remédios, à esposa, aos amigos de todas as horas. Mas sabemos que a ida dessa filha querida vai deixar seu coração apertado, cada vez que acordar ou chegar do trabalho e olhar o quarto vazio em frente ao seu, e não poder vê-la contente, sorridente, assistindo seus vídeos, pensativa, sem poder beijar-lhe o rosto e dizer palavras de carinho. E a dúvida sobre o tempo de sua permanência fora de casa deixa meu amigo ainda mais corroído por dentro, vivendo uma dor intensa, acompanhada de outras dores, pois sabe que isso pode vir a acontecer.
Seja como for, a vida quis assim. E o que acontecer deve ser aceito e enfrentado.
E o que poderia eu, na minha minúscula insignificância frente aos seus entes queridos, oferecer de bom e de conforto nessa hora e durante o tempo de ausência de Paty? Ofereço a você, meu grande amigo, meu ombro, minha lealdade, meu tempo para nos dedicarmos a boas conversas. Ofereço meu amor, meu carinho, minhas palavras reconfortantes, meus conselhos, meu humor, e até minha chatice. Ou o simples fato de estar ao seu lado, só pra que você sinta que jamais estará sozinho. Se eu pudesse ofereceria a divisão da dor, da saudade, mas sabemos que essa é só sua.
Por fim, quero dizer o quanto o admiro, o amo e respeito, de forma incondicional. Com todas as suas qualidades e defeitos. E que estou aqui sempre de plantão, para enfrentarmos juntos, presentes ou distantes, tudo que há por vir. Talvez não lhe sirva de consolo, por todas as suas dores e incertezas que batem à sua porta, mas tenha sempre a absoluta certeza de que permanentemente estarei ao seu alcance, para chorar, sorrir, dividir angústias e segredos, amenizar seus medos, e pronto para atender ao seu chamado, em qualquer hora ou circunstância, quando você de mim precisar.
Que a sua tristeza, dor e saudade, suas angústias, se transformem em orgulho futuro, quando puder novamente mostrar a todos as tantas vitórias que Patrícia conquistou com mérito próprio, envaidecendo-se por isso, estando sempre ao lado dela e torcendo pelo seu sucesso. Que a ida de Paty possa lhe fazer repensar sobre a vida, aceitar o que o destino nos reserva e lhe dar mais força para seguir adiante.
Parabéns por mais essa conquista na vida dos seus filhos, e em especial na vida de Patrícia. Você merece todas as honras e estrelas que um homem de bem, um pai dedicado, um marido zeloso e um amigo fiel deve carregar no peito. E a sua vida, que será longa, saberá retribuir todos os esforços que você fez para alçar seus filhos ao posto mais alto, dando-lhes de tudo (do possível ao impossível) que você não pôde ter.
Do seu leal e fiel amigo, de todas as horas e de sempre.

Os tempos não mudaram. Mas haverá, um dia, mudanças? - Arthur Dazzani


Os tempos não mudaram e as pessoas continuam a não se emocionar como deveriam. Nem se tocam mais com as mazelas que teimam em querer mostrar as suas caras todos os dias, a cada sinal de trânsito, a cada reportagem de TV, e em lugares que nem imaginamos que possa haver gente como nós, que sofre por não ter ninguém com quem dividir suas angústias, ou simplesmente um pequeno grão de arroz para desfrutar.
E nós, intelectuais “metidos à besta”, fingimos que essas coisas não são com a gente. Porque prestar atenção a tudo isso nos obrigaria a ter que mudar o nosso dia a dia, a transformar sentimentos encapuzados em verdade nua e crua. Essa é a vida que querem nos empurrar e nos ensinar a viver.
É verdade que nos põem para chorar nos cinemas, com cenas “roliudianas” (assim mesmo, tal qual pronunciada), feitas com receita pré-definida, para que possamos dizer que temos sentimentos, que somos um tanto sensíveis.
Cheguei à conclusão que, se nada for feito, formaremos uma legião de covardes, que não suporta que o óbvio lhe pareça como ele é, sem as maquiagens produzidas pelos telejornais, sem o sensacionalismo pra vender ibope.
Mas aí temos os recursos paliativos: uma esmola aqui, outra acolá, uma cesta básica no Natal, um resto de comida do McDonald’s, uma caixinha pra ajudar o porteiro, um resto de pão dormido para empregada levar para casa; um ato isolado pra enganar nosso (in) consciente. Enfim, a sociedade elitista, vestida de soberba, usa de hipocrisias para dizer que “faz a sua parte”, que divide um pouco o que tem. Mas felizmente muitas coisas continuam incomodando àqueles que não suportam a dura realidade. E eu sou um deles!